ARTIGO: Segundas-feiras, segundas chances
Escrito por: Melina Lobo (Conselheira de Administração e Advogada)
Segunda-feira é meu dia preferido da semana. Geralmente estou descansada e cheia de planos, mas essa não era uma segunda-feira qualquer. Era uma manhã ensolarada de final de inverno e não estava com a energia habitual. Meu pai havia partido duas semanas antes. Não sem anunciar. Ele estava avisando havia meses. Já era motivo de piada na família, mas eu sabia que era real. Ainda assim, quando aconteceu, a dor me atravessou e desorganizou.
Minha mãe morreu numa madrugada de sábado sete anos antes. No domingo, meu pai reuniu os quatro filhos e anunciou “Amanhã é segunda, quero ver vocês todos trabalhando. Sua mãe foi uma mulher digna que abriu mão da vida profissional para educar vocês. Honrem sua mãe e cumpram suas obrigações”.
Aquelas palavras ainda ecoavam na minha alma e eu tentava cumprir a agenda de trabalho. O final de semana havia sido intenso. Tinha acabado de voltar do interior do Rio de Janeiro para auxiliar três famílias entrelaçadas por negócios, alianças e conflitos.
Dias intensos de trabalho e uma longa viagem tinham exaurido minhas forças. O descanso de domingo não tinha sido suficiente.
Ao chegar ao trabalho, recebi a mensagem e fiquei em dúvida se responderia. Não estava prevista na rotina assoberbada daquela segunda o atendimento àquela cliente, mas o hábito e a curiosidade se impuseram. E o amor, pois se tratava de uma família muito querida cujo fundador com mais de 80 anos é bastante ativo na empresa.
A filha reclamava que o pai se recusava a cumprir as decisões que havíamos tomado na última reunião do Conselho. Não queria mais criar os novos cargos para os filhos e muito menos pagar a remuneração combinada. Imediatamente telefonei para o pai e perguntei se podíamos marcar uma reunião para aquela tarde.
Peguei o carro e fui falar pessoalmente com o fundador. No caminho, fui refletindo sobre as relações familiares, principalmente as que são permeadas pelos negócios. Quando estamos juntos, reclamamos. Quando a vida nos impõe a separação absoluta pela morte, choramos.
Eu estava em luto, mas sabia que sair da minha dor para auxiliar outros ajudava a curar mais rápido. Com esses pensamentos, fui dirigindo até a empresa e sua nova sede recém-instalada em um moderno condomínio empresarial.
Chegando lá, a recepcionista me atendeu com o sorriso de sempre. Ao longo dos anos, constatei que as secretárias são um termômetro da reputação dos consultores nas empresas. Esse era um bom sinal. A mudança de humores do fundador e sua recusa em cumprir a decisão ainda não havia abalado minha função na empresa. O encontro presencial se mostrava oportuno e prudente para não escalar o conflito.
Ele estava à minha espera e me levou a uma sala nova de reunião que eu ainda não conhecia. A sala com paredes de vidro não nos permitia a privacidade necessária para aquela reunião, mas se a escolha era dele, do dono, só me restava entrar na dança já que ali era ele que conduzia o ritmo.
Ao sentarmos, ele foi logo dizendo “Foi minha filha que te avisou? Eu não vou pagar nada do que vocês estão querendo. Você não conhece as reais condições financeiras da empresa. Vocês estão sonhando. Vão quebrar a empresa”.
Bebi um gole de água, procurei modular a voz para o tom mais agradável possível e respondi que eu havia sido contratada justamente para isso: trazer os filhos para dentro da operação. Que conhecia sim os números da empresa, pois eram apresentados em todas as reuniões. Que já era hora de tratar os filhos como sócios, atribuindo responsabilidades e remunerando pelo trabalho.
Se esse não fosse o propósito, não justificava minha contratação, nem a constituição do Conselho. Era melhor acabar com mais essa despesa e voltar tudo como era antes.
Ele escutou, não retrucou, tomou sua água e fiquei imaginando se ele também bebia para ajudar a engolir os fatos ou se era só sede mesmo. O dia estava quente e os ânimos também. O ar condicionado da sala nova não era capaz de resfriar os nossos pensamentos.
Diante do silêncio que se prolongava, desabafei:
– O senhor ficou sabendo que despedi do meu pai há poucos dias?
– Sei, mas não quis tocar no assunto.
– Então, fico pensando em como vocês ainda podem aproveitar o tempo que tem juntos, pois ele é precioso demais.
Ele pegou na minha mão e disse para não chorar, que a vida é assim mesmo, chegamos e saímos dela sem aviso.
Ele é um homem grande. Deve ter sido um jovem bonito, ainda guarda seu charme. Assumiu a calvície e usa sempre um boné estiloso. A idade tem cobrado sua conta. Problemas na coluna, dores constantes e ele sempre resistente. Fala alto e forte, mas seu coração é ainda maior. Nos despedimos e ele falou que pensaria melhor se manteria a remuneração dos filhos.
Dividir o processo de decisão não é fácil. Não é uma questão de passar o bastão da liderança, mas, sim, de conviver com toda a diversidade de pensamentos, opiniões e atitudes. Um desafio para quem tem família e negócios juntos, outro para quem lida com famílias empresárias.
Segundas continuam sendo meu dia preferido da semana. Elas representam o recomeçar, refazer, aperfeiçoar, enfim, usufruir de uma segunda chance enquanto estamos vivos e atuantes.